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Gás da Verdade

  • Foto do escritor: M.B.Bueno
    M.B.Bueno
  • 18 de mar.
  • 2 min de leitura

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Em meu tempo em Goa, tenho quebrado o jejum no mesmo lugar, no mesmo estofado. Sento-me, junto a minha esposa, na parte de dentro da padaria, com moscas e malucos. Peço sempre ao atendente, um jovem nepalês, que ligue o ventilador, porque assim nos livramos das moscas. Quanto aos malucos, a eles empresto os ouvidos. Parafraseando Ariano Suassuna “gosto de gente doida, como sou do ramo, reconheço logo”.

É quase automático suas palavras. Mal nos sentamos, fazemos o pedido, geralmente uma omelete com torradas e um chá, chega um maluco e se senta bem na nossa frente. Na primeira troca de olhares, puxa assunto e aí não tem santo que os faça parar. Minha esposa e eu temos a combinação perfeita. Ela é para-raios de maluco. Eu tenho o gás da verdade. Ela os atrai. Eu os faço falar.

No início, sentíamos um certo incomodo. Gostaria apenas de desjejuar em paz. Temos dificuldade em despertar. Com o passar dos meses, cansei de evitá-los e passei apenas a escutar. Brinco com minha esposa que em minha ordem religiosa, ao invés do confessionário, usamos a padaria nepalesa. Quem quiser se confessar me paga um chá de gengibre, limão e mel acompanhado de um pãozinho com manteiga e tá tudo certo.

Invariavelmente, as pessoas começam falando de coisas aleatórias. Normalmente, suas maluquices. Passam pelas críticas ao ser humano e suas políticas. Avançam para as mais cabeludas teorias conspiratórias. E finalizam falando de si. Aqui é onde o gás da verdade começa a fazer efeito. A semente de sua loucura é revelada na íntegra. Trazem a tona seus traumas, o motivo pelo qual estão nessa condição. Expõem, para si mesmos, o motivo pelo qual estão como estão.

Vejo a surpresa em seus olhares. Sempre rola um silêncio quando a verdade é dita. Nesse momento, respeito a pausa. Deixo-os assimilar o espanto pelo dito, porque é involuntário. Só então, descanso o garfo, já arfado pelo delicioso omelete de espinafre com queijo. Dou um gole no chá, geralmente já frio, e falo. Ou melhor, deixo falar.

Os lábios são meus, mas as palavras não. Algo maior, muito maior, me conduz ao dito. Quando vejo, já falei. É um aprendizado para mim mesmo, medíocre criatura que sou. Quando o Mestre fala por mim, eu também escuto. Tanto eu quanto o maluco saímos muito melhores do que chegamos na padaria. Deixamos o recinto satisfeitos, no corpo e na alma.

 
 
 

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